O ideal de vida de Marina
As vésperas da Rio +20, a ex-senadora fala de como pretende promover uma mudança de paradigma em favor de um novo modelo de desenvolvimento econômico
por Afonso Capelas Jr.Fonte: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL
Cristiano Mariz
“A sustentabilidade deve ser entendida como um ideal de vida”, diz Marina Silva, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente
“Ainda vou decidir se me candidato a algum cargo político neste ano. Mas minha luta ecológica continua”, diz a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva logo ao fim da entrevista que concedeu a NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL em uma livraria de Brasília. Antes ela havia participado, durante duas horas, das gravações de um documentário sobre a nova classe média brasileira. Marina está habituada a trabalhar muito; quando adolescente, sua jornada começava de madrugada em uma comunidade do seringal Bagaço, no Acre. Hoje é ainda mais atarefada. Incansável, vive uma maratona de viagens, palestras e entrevistas mundo afora – à noite, ainda sobra fôlego para ler e escrever na cama. A seguir, Marina nos conta como pretende promover uma mudança de paradigma em favor de um novo modelo de desenvolvimento econômico. “A sustentabilidade deve ser entendida como um ideal de vida”, diz ela.
O que a senhora espera da Rio+20?
Aguardo uma avaliação séria do que foi feito nos últimos 20 anos. É óbvio que chegaremos à conclusão de que foi menos que o necessário. Meu desejo é de que venham novos compromissos para que o encontro não seja uma pá de cal na memória da Rio 92. A Rio+20 é um processo dinâmico que envolve centenas de países. Cada um precisa fazer seu dever de casa. No Brasil, está acontecendo um grande retrocesso com a mudança da legislação ambiental para retomada do aumento de áreas de cultivo. É uma contradição. A prova de que o país não precisa disso é que estamos há quase oito anos com crescimento econômico, diminuição da pobreza e do desmatamento. De um modo geral, é preciso não subtrair a questão ambiental desse encontro mundial.
A senhora concorda com o alerta de um grupo de cientistas de que o encontro pode ser desvirtuado por outros temas, deixando a sustentabilidade e as mudanças climáticas em segundo plano?
Sim. Estão fazendo uma assepsia do tema ambiental, da perda de biodiversidade, do aumento da desertificação e das mudanças no clima para discutir apenas desenvolvimento. Na conferência climática de Durban, chegamos à conclusão de que o planeta está na UTI, mas a intervenção médica só vai acontecer daqui a dez anos. Iremos para a Rio+20 sabendo que estamos vivendo uma crise civilizatória caracterizada por múltiplas crises, e já estão querendo praticar a política do avestruz: fazer vista grossa aos problemas ambientais para falar apenas de desenvolvimento e pobreza, como se os dois temas não tivessem como pano de fundo a crise ambiental global. Embora as outras questões sejam relevantes, elas não têm como ser resolvidas pelos mesmos paradigmas dos séculos 19 e 20. É fundamental o protagonismo do Brasil no encontro, descolando-se das posições atrasadas do G77 (grupo de países em desenvolvimento) e abrindo maior liderança dentro do G20 (nações desenvolvidas e emergentes), porque esse grupo representa 80% do PIB da população mundial e das emissões de gases de efeito estufa. Se o G20 se movimentar para a redução das emissões e a mudança do modelo de desenvolvimento, será possível fazer a diferença. Inclusive, alavancar recursos para que as nações pobres se desenvolvam sem repetir o exemplo predatório dos países ricos.
Quais contribuições a senhora levará ao encontro no Rio?
Estarei lá como um dos “advogados do milênio”. O Millennium Development Goals (MDG) Advocacy Group é uma organização que trabalha com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, para fazer articulação política em benefício dos países pobres e vulneráveis. Para a Rio+20, sugeri uma autoconvocação dos líderes morais do planeta, aqueles que, nos mais diferentes espaços da vida econômica, social, científica e política, estão envolvidos com a causa, não sob a perspectiva imediatista, que nos torna reféns dos interesses das corporações ou da conjuntura política. A ideia é de que, antes da chegada dos chefes de Estado ao encontro, os líderes morais apresentem os pontos necessários para enfrentar o problema. Assim, criamos um espaço de mobilização independente, em que a sociedade possa ouvir da boca dos cientistas qual o tamanho do desafio que temos pela frente.
O que a senhora acha que mudou no Brasil quanto às questões socioambientais desde a Rio 92? Avançamos nesse quesito?
Evoluiu a consciência das pessoas. Basta considerar que mais de 20 anos atrás Chico Mendes foi assassinado e apenas meia dúzia de pessoas estavam envolvidas com a causa da Amazônia. Hoje há toda a polêmica em torno do Código Florestal e pesquisas de opinião mostram que 80% dos brasileiros preferem pagar mais pelos alimentos para proteger a floresta. Creio que são os maiores indicadores de que a consciência é outra. Isso ainda não se traduz em mudança de atitude, mas há muitos passos nessa direção. Nas duas décadas passadas, evoluiu também a base legal para a proteção de nossos ativos ambientais. Temos agora uma lei de crimes contra a natureza, o mapa dos biomas brasileiros e das zonas prioritárias para conservação da biodiversidade, uma lei nacional das águas e um sistema nacional de unidades de conservação, com 70 milhões de hectares de áreas preservadas. Orgulho-me de saber que, desse total, 24 milhões de hectares foram criados durante a minha gestão como ministra do Meio Ambiente, de 2003 a 2008. Se não houvesse essa evolução de consciência, sequer teria sido possível implementar o Plano de Combate ao Desmatamento, que levou à redução de 80% da derrubada da floresta graças à inibição de 1,5 mil propriedades ilegais e à aplicação de 4 bilhões de reais em multas.
Tal consciência despontou nos políticos ou nos cidadãos?
Sobretudo nos cidadãos. Apesar disso existe um retrocesso, em que a maioria dos políticos quer alterar o Código Florestal e a legislação de criação de terras indígenas no Brasil. Também removeram as competências do Ibama para fiscalizar o desmatamento e no primeiro ano da presidente Dilma nenhum hectare de unidade de conservação sequer foi criado. Vejo, então, um paradoxo: enquanto aumenta a consciência ambiental das pessoas, notamos um recuo da representação política, pautada por grupos – ainda que minoritários – mais conservadores, na questão socioambiental. É um fenômeno que acontece no mundo inteiro. Há um lobby pesado contra qualquer medida nos Estados Unidos em relação à Convenção do Clima. Mas em boa parte da sociedade mundial cresceu a consciência socioambiental.
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