O humanismo é um conceito que tem assumido diferentes sentidos nos últimos séculos. Na época do Renascimento, significou a valorização do ser humano, da vida no mundo e das conquistas da humanidade. Isso se manifestou de maneira especial na redescoberta dos clássicos e em um rico florescimento da literatura, da ciência e das artes. Dois ou três séculos mais tarde, com o advento do Iluminismo, surgiu o chamado “humanismo secular”, em que essa afirmação do valor da vida e do ser humano foi acompanhada de uma forte rejeição de qualquer realidade transcendente ou espiritual. Tal mentalidade exerce poderosa influência na cultura pós-moderna contemporânea.
Existe também o que se denomina “humanismo cristão”. O cristianismo tem uma concepção elevada do ser humano e afirma a dignidade e até mesmo a sacralidade da vida. Todo indivíduo reflete a imagem do Criador e tem um lugar privilegiado no cosmos (Gn 1.26; Sl 8.5). Jesus Cristo, em seu ensino e exemplo, insistiu na importância de valores como a justiça, a solidariedade, a misericórdia e, acima de tudo, o amor (Mt 22.37, 39). Ao longo dos séculos, essas convicções geraram imensos benefícios para indivíduos, comunidades e nações. É verdade que a história também tem testemunhado manifestações negativas associadas com o cristianismo, as quais, todavia, representam uma traição dos valores e ideais mais caros da fé cristã. É bastante reveladora uma comparação entre a herança cristã e outras cosmovisões.
A ciência
Não se pode negar que, nos últimos séculos, os avanços da ciência têm contribuído em muito para beneficiar a vida humana. Nos campos da medicina, da biologia, da química e da engenharia têm ocorrido descobertas e invenções que elevaram sensivelmente a qualidade de vida de um grande número de pessoas. Porém, as concepções filosóficas que servem de base para a ciência moderna contribuem para a desumanização ao questionarem a singularidade e o valor supremo da pessoa humana. Nunca a humanidade esteve tão ameaçada pelo cientificismo, a concepção de que a ciência tem uma explicação última da realidade, de que ela pode resolver todos os reais problemas do mundo e, pior ainda, de que os métodos científicos devem ser estendidos a todos os domínios da vida humana.
Duas áreas em particular, nas quais pode se manifestar essa soberba da ciência, são a biologia evolutiva e a cosmologia. O evolucionismo transformado em dogma afirma que a humanidade é um acidente fortuito na trajetória impessoal do universo. Assim, tudo -- os valores, os comportamentos, as virtudes e a própria religiosidade -- passa a ser explicado em termos mecanicistas. As teorias da formação do universo com frequência também insistem na insignificância e na virtual falta de sentido da existência humana, fruto de processos físicos e químicos aleatórios ao longo de incontáveis eras. Essa mentalidade pode contribuir para uma atitude de banalização da vida e de relativização de valores outrora fundamentais.
As ideologias
Uma ideologia pode ser conceituada como o conjunto de afirmações, teorias e objetivos que constituem um programa sociopolítico. O século 20 presenciou o surgimento de algumas das ideologias mais opressivas da história, entre as quais merecem destaque o nazismo, o fascismo e o comunismo. O nazismo ou nacional-socialismo, com todo o seu horror, desapareceu enquanto sistema político, embora, de modo preocupante, continue a inspirar indivíduos e organizações. O fascismo, seu irmão gêmeo, também foi superado enquanto filosofia de governo, mas seus pressupostos continuam vivos e florescentes em muitas áreas da cultura moderna (ver “O Fascismo Moderno”, de G. E. Veith Jr.). Quanto ao comunismo, apesar de seu trágico legado ao longo do século 20, continua a seduzir grandes contingentes de pessoas.
Todas essas ideologias tiveram o propósito declarado de lutar pela liberdade e a igualdade, mas acabaram se revelando autoritárias e violadoras dos direitos humanos, substituindo antigas formas de opressão por outras mais virulentas. O socialismo, especialmente em suas versões latino-americanas atuais, apresenta algumas tendências extremamente perigosas, que poderão resultar em tragédia no futuro. No Brasil, a crescente ideologização da política tem gerado efeitos deletérios como o crescimento desmedido do estado, a conivência com a corrupção e a crescente interferência na consciência individual, exemplificada pelo esforço partidário-estatal de impor uma visão particular de moralidade sexual na legislação e na educação.
A religião
Pela magnitude das paixões que desperta e do poder que concentra, a religiosidade também pode se tornar um instrumento de desumanização, de violação da dignidade humana. Como já foi apontado, o cristianismo, em suas diferentes tradições (católica, ortodoxa e protestante), teve, ao longo da história, manifestações de cumplicidade com o mal, contradizendo os princípios mais essenciais de seu fundador. As cruzadas, a inquisição e os “pogroms” contra os judeus medievais são exemplos disso. Hoje, o mundo está sendo assolado pelo fenômeno assustador do fundamentalismo religioso militante, no qual, em nome de Deus e da fé, são cometidas as mais horríveis atrocidades, despertando em muitos uma aversão ainda mais intensa contra qualquer espécie de religiosidade.
Como todos sabem, a religião em que isso alcança maior expressão na atualidade é o islamismo. Tal fato é especialmente lamentável tendo em vista que, em séculos anteriores, os muçulmanos não somente deram extraordinárias contribuições culturais, mas se destacaram por sua considerável moderação em relação a outros grupos. Todavia, os líderes e a imprensa ocidentais deveriam ser mais cautelosos em seu constante esforço de dissociar as ações dos fundamentalistas dos princípios do verdadeiro islamismo. Por razões históricas e doutrinárias, a religião islâmica tem uma propensão para a intolerância. Sua concepção teocrática, de controle de todos os aspectos da vida e da sociedade, faz com que, por exemplo, mesmo em nações não governadas por fundamentalistas, haja grande cerceamento dos direitos e das atividades de outros grupos religiosos, particularmente cristãos.
Conclusão
De todas as tradições e correntes de pensamento e vida, provavelmente a fé cristã é a que maiores contribuições tem oferecido em prol da valorização e da defesa da dignidade humana, em âmbito mundial. Desde o início, os cristãos se empenharam na proteção da criança, da mulher e da família. Suas escolas, hospitais e outras instituições dignificaram a vida de muitos indivíduos e comunidades. O humanismo cristão centrado no respeito, na solidariedade, na justiça e no amor tem permeado, mesmo que imperceptivelmente, a cultura, a legislação, as instituições públicas e os valores éticos de muitas nações. No entanto, o mundo pós-moderno, com seu relativismo subjetivista e seu abandono de referenciais sólidos, corre o risco de mergulhar novamente na barbárie, como tem sido vaticinado por muitos observadores, inclusive seculares. Importa que os cristãos não descansem sobre os louros do passado, mas renovem seu compromisso com o evangelho, em todas as suas implicações, nos dias desafiadores em que vivemos.
• Alderi Souza de Matos é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil. É autor de A Caminhada Cristã na História e “Os Pioneiros Presbiterianos do Brasil”.
asdm@mackenzie.com.br
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
Fé cristã: o verdadeiro humanismo
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Este blog é de autoria de estudantes universitários dos mais diversos cursos (principalmente de humanas) que fazem parte da A.B.U. João Pessoa como também por colaboradores do nosso movimento.
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